Um gene específico nas células do corpo de todas as pessoas tem papel fundamental no desenvolvimento inicial da medula espinhal. Ele pertence à Universidade Harvard. Outro gene é responsável por fazer a proteína que o vírus da hepatite A usa para se ligar às células; o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA detém sua patente. A empresa californiana Incyte patenteou o gene de um receptor para histamina, composto liberado pelas células durante crises de rinite alérgica. Cerca de metade de todos os genes que se sabe estar envolvidos com câncer estão patenteados.
Células humanas carregam cerca de 24 mil genes que constituem o projeto para os 100 trilhões de células de nosso corpo. Desde mea-dos do ano passado, o Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos registrou patentes sobre quase 20% do genoma humano para empresas, universidades e agências do governo. Para ser mais preciso, 4.382 dos 23.688 genes guardados no banco de dados do Centro Nacional de Biotecnologia da Informação estão marcados com pelo menos uma patente, de acordo com estudo publicado na edição da revista Science por Fiona Murray e Kyle L. Jensen, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Só a Incyte “possui” quase 10% de todos os genes humanos.
A pesquisa confirmou que o patenteamento da vida é hoje prática bem estabelecida. Ainda assim, ela ainda soa a muitas pessoas bizarra, antinatural e preocupante. “Como alguém pode patentear meus genes?” é a primeira pergunta que freqüentemente aparece. Como se podem obter direitos de propriedade sobre um tipo de rato ou peixe se foi a Natureza, não os humanos, que “inventou” seus genes? O que acontece com a liberdade da pesquisa científica quando metade de todos os genes de câncer está patenteada? Isso significa que os pesquisadores precisam passar mais tempo lutando nos tribunais do que procurando por uma cura?
Especialistas em ética, juízes, cientistas e examinadores de patentes continuam a mergulhar nesses debates, que tendem a se intensificar em uma nova era de medicina personalizada e pesquisa genômica que examina muitas atividades biomoleculares diferentes ao mesmo tempo. Os médicos dependerão cada vez mais dos testes patenteados que relacionam o perfil genético dos pacientes às melhores drogas. Potencialmente, muitas das proteínas e outras moléculas utilizadas nesses estudos complexos poderiam ser prejudicadas por cláusulas de licenciamento, que impediriam sua fácil comercialização ou aumentariam os já robustos preços dos planos de saúde.
Qualquer Coisa Sob a Luz do Sol
A pergunta “Quem é dono da vida” já foi feita antes. A pesquisa do MIT que analisou a intersecção da propriedade intelectual com a biologia molecular veio bem a calhar no 25o aniversário de uma decisão-marco da Suprema Corte americana determinando que coisas vivas são patenteáveis – contanto que tenham sido “feitas” por humanos.
Ananda M. Chakrabarty, engenheiro da General Electric, pediu em 1972 uma patente por uma linhagem única da bactéria Pseudomonas, que poderia fazer diminuir manchas de óleo no mar mais rapidamente do que se um especialista em biorremediação utilizasse múltiplas linhagens para a tarefa. Chakrabarty não criou a linhagem por meio daquilo que hoje é conhecido como engenharia genética – na verdade, métodos de junção do DNA recombinante não haviam sido inventados até o ano de seu pedido – mas lidou com a bactéria de uma maneira mais clássica, fazendo com que aceitasse plasmídeos (anéis de DNA) de outras linhagens com as propriedades desejadas. O escritório de patentes rejeitou o pedido de Chakrabarty, dizendo que “produtos da Natureza” que são “organismos vivos” não poderiam ser patenteados.
Quando a Suprema Corte decidiu ouvir o apelo do caso, em 1980, o panorama da biologia molecular tinha mudado radicalmente. O uso do DNA de um organismo em outro já era comum. Uma empresa chamada Amgen tinha se formado naquele ano para tirar vantagem da nascente técnica de “cortar e colar” DNA. Um artigo que tinha acabado de ser publicado detalhava como a tecnologia recombinante tinha sido usada para sintetizar interferon. Stanley Cohen e Herbert Boyer receberam uma patente de uma tecnologia-chave para a manipulação de DNA. A explosão tecnológica estava no ar. O Congresso americano aprovou o Ato Bayh-Dole, que permite a universidades estabeler acordos de licenciamento para tecnologia patenteada. O Ato Stevenson-Wydler permitiu que os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e outras agências federais fizessem o mesmo.
Os juízes da Suprema Corte receberam cartas de terceiros atacando e defendendo os argumentos no pedido de Chakrabarty. Diversos grupos, desde a Genentech até os conselheiros da Universidade da Califórnia, pediam que a solicitação de patente fosse aprovada, citando benefícios que apareceriam no desenvolvimento de fármacos, da remediação ambiental e de novas fontes de energia, para citar alguns. A Comissão Popular de Negócios, co-fundada pelo ativista Jeremy Rifkin, censurou a “commoditização” da vida e descreveu desastres ambientais no horizonte.
Por aclamação da maioria, o presidente da Corte Warren Burger apontou as objeções ao patenteamento da vida como irrelevantes, dizendo que “qualquer coisa sob a luz do Sol feita pelo homem” poderia ser patenteada. A única questão para os tribunais era se a bactéria era um “produto da Natureza” ou uma invenção humana. “Newton não poderia ter patenteado a lei da gravidade”, a opinião reconhecia. Mas como um “produto da engenhosidade humana”, a bactéria modificada por Chakrabarty era diferente. Descartando a “medonha exibição de horrores” de Rifkin, a Corte sugeriu ser incapaz de ficar no caminho do progresso. “A grande quantidade de pesquisa realizada quando nenhum pesquisador tinha conhecimento seguro de que a proteção das patentes estaria disponível sugere que uma autorização legislativa ou judicial com relação à patenteabilidade não vai impedir a mente científica de procurar pelo desconhecido”, escreveu Burger.
Depois da apertada decisão por 5 votos a 4, a indústria e a academia encararam a interpretação abrangente de patenteabilidade no caso Chakrabarty como justificativa para pedir direitos não só sobr genes, mas também sobre outros materiais genéticos, organismos inteiros e células (incluindo células-tronco). As primeiras patentes de genes seguiram de perto a tradição daquelas sobre substâncias químicas. A Incyte, na verdade, não possui os direitos sobre o gene do receptor de histamina no corpo de cada um de nós, mas sim de uma forma dele “isolada e purificada”. (Alguns examinadores de patentes invocaram a proibição à escravidão na Constituição dos EUA para explicar por que uma patente não pode ser dada sobre um ser humano ou partes do corpo.) Uma patente sobre um gene isolado e clonado e sobre a proteína que ele produz dá ao dono direitos exclusivos para negociar a proteína – insulina ou hormônios de crescimento humano, por exemplo – da mesma maneira que um fabricante químico poderia purificar uma vitamina B e requerer sua patente.
Pouco Esforço, Nenhuma Originalidade
Nos anos 1990, a rapidez do desenvolvimento tecnológico revirou novamente o status quo. As tecnologias de seqüenciamento de alta velocidade que surgiram na década – na trilha do Projeto Genoma Humano – obscureceram a analogia simples com patenteamento de produtos químicos.
Uma etiqueta de seqüência expressa (EST, na sigla em inglês) é um segmento seqüenciado de DNA de apenas algumas centenas de nucleotídeos no final de um gene. Ela pode ser utilizada como um marcador para localizar um gene completo em um cromossomo.
Pesquisadores começaram a pedir patentes sobre ESTs – centenas de uma vez só, em alguns casos – mas sem saber o que elas faziam de fato. Os candidatos à patente freqüentemente chutavam a função biológica dos fragmentos de gene após consultar bases de dados. “Isso envolve muito pouco esforço e quase nenhuma originalidade”, disse Bruce Alberts, presidente da Academia Nacional de Ciências americana (NAS).
A justificativa para patentear seqüências de DNA de função incerta foi que essas ESTs poderiam servir como ferramenta de pesquisa. E essa razão foi exatamente o que preocupou a comunidade científica. Donos de patentes de ESTs poderiam exigir a pesquisadores o licenciamento sobre essas ferramentas, aumentando gastos, burocracia e possivelmente impedindo o desenvolvimento de novos diagnósticos e terapias. Em um artigo de 1998 na Science, Rebecca S. Eisenberg, da Universidade de Michigan em Ann Arbor, e Michael A. Heller, da Escola de Direito da Universidade Columbia, demonstraram preocupação com a emergência dos “anticomuns”, a antítese do tradicional arcabouço de conhecimento comum que os cientistas partilham livremente. Aquelas preocupações foram acentuadas pela abrangência audaciosa de alguns desses pedidos, que queriam abocanhar não só as ESTs como também quaisquer seqüências de DNA adjacentes a elas. Um pedido como esse poderia significar o patenteamento de um cromossomo inteiro.
Mas uma objeção ainda maior e mais intelectual ao conceito dessas patentes foi que o uso de ESTs para descobrir a localização de genes ocorre na verdade em uma base de dados, não em laboratório. O valor das ESTs existe mais como informação do que como um dos “processos, máquinas, produtos manufaturados e composições de matéria” tangíveis que são considerados patenteáveis. Idéias abstratas têm sido mantidas fora do reino das patentes, mas alguns casos judiciais tornaram essa distinção mais vaga nos últimos dez anos.
Permitir que informação fosse patenteada tenderia a minar um ato de equilíbrio que é uma das fundações de todo o sistema. Em troca de um monopólio de 20 anos, a pessoa que pede a patente deve divulgar como fazer uma invenção de maneira que outros possam utilizar esse conhecimento para melhorar uma tecnologia existente. Mas como funciona essa compensação se a informação a ser divulgada para outros é a própria informação patenteada? O mero ato de usar esses dados no curso da pesquisa científica corre o risco de ser visto como infração?
Em reação a algumas dessas pressões, o escritório de patentes dos EUA exige, desde 2001, que os examinadores procurem “uma utilidade específica e substancial” para conceder patentes na área de biotecnologia. Em outras áreas competitivas de tecnologia, o pré-requisito de que uma patente seja útil vem depois de outros, como o de que uma invenção tem de ser realmente nova, já que a maior parte dos cientistas não procura proteção para invenções sem utilidade. Na área de patentes da vida, porém, a avaliação da utilidade de uma invenção se tornou um filtro crucial. Designar uma seqüência de DNA simplesmente como uma sonda de genes ou marcador de cromossomos não é suficiente nas novas regras.
As mudanças tiveram efeito, e houve poucos pedidos de patente de ESTs até agora. Uma ação importante, ilustrativa da tendência de vetar patentes amplas demais e inúteis, veio em uma decisão de setembro de 2005 da Corte de Apelação para o Âmbito Federal (CAFC). Os juízes mantiveram a decisão do escritório de patentes de negar o pedido da Monsanto de direitos sobre quatro ESTs de plantas que não estavam ligadas a alguma doença específica. As patentes teriam correspondido a “uma licença para caça, porque as ESTs desejadas podem ser usadas somente para conseguir mais informações sobre os genes correspondentes”, afirmou o juiz Paul Michel.
Dados sobre anticomuns começaram a aparecer em anos recentes. Uma pesquisa feita como parte de um relatório da NAS – “Colhendo os Benefícios da Pesquisa Genômica e Proteômica”, publicada em novembro último – entrevistou 665 pesquisadores escolhidos aleatoriamente em universidades, laboratórios do governo e da indústria sobre o efeito de patentes na genômica, na proteômica e na pesquisa em farmacologia. Só 8% dos pesquisadores diziam ter feito pesquisa relacionada a patentes mantidas por terceiros nos dois anos anteriores; 19% não sabiam se suas pesquisas se sobrepunham, e 73% disseram que não precisavam utilizar as patentes dos outros. “Assim, por enquanto, parece que o acesso a invenções patenteadas ou restrições à informação na pesquisa biomédica raramente impõem dificuldades significativas para pesquisadores da biomedicina”, concluiu o relatório.
O número de pedidos de patente também caiu substancialmente. Patentes que se referiam a ácidos nucléicos ou termos relacionados chegaram a um máximo de 4.500 em 2001, segundo relatório da revista Nature Biotechnology, e diminuíram nos quatro anos posteriores – talvez conseqüência do endurecimento do escritório de patentes com o pré-requisito de utilidade.
Parte da tendência de queda pode ser relacionada a um movimento real de “código aberto” nas ciências biomédicas, parecido com o da informática. Em 1996, cientistas de todo o mundo, tanto no setor público como no privado, conceberam o que se convencionou chamar de Regras das Bermudas, estabelecendo que toda informação do Projeto Genoma Humano deve ser colocada imediatamente em domínio público. O compartilhamento de dados foi depois estimulado em outros projetos de larga escala, como o Consórcio dos Polimorfismos de Nucleotídeo Único, o mapa das variações genéticas na população humana. Em alguns casos, pesquisadores tiraram patentes defensivamente, para se assegurar de que ninguém se apoderasse desse conhecimento. Tanto empresas quanto os grupos de saúde pública envolvidos com a descoberta e seqüenciamento do vírus da Sars tentam formar um pool de patentes para permitir o licenciamento não-exclusivo do genoma da Sars.
A adoção do domínio público torpedeou a idéia de construir negócios com base em informação pública. Tanto a Celera quanto a Incyte – duas empresas líderes no campo da genômica – se reestruturaram no início desta década para concentrar atividades no desenvolvimento de drogas.
Craig Venter, que liderou o esforço privado de seqüenciamento do genoma humano, deixou a Celera e se tornou um crítico do processo. “A história provou que essas patentes de genes não valem o papel em que estão escritas, e os únicos que ganharam dinheiro em cima disso foram os advogados de patentes”, comentou em uma conferência em 2003.
Patentes que atrapalham a pesquisa básica também não conseguiram se estabelecer, porque acadêmicos tendem a não respeitar a propriedade intelectual. Pesquisa não comercial, na visão deles, recebe uma isenção.
No entanto, o caso “Madey contra Universidade Duke”, decidido pela CAFC em 2002, tirou das universidades e de outras instituições sem fins lucrativos qualquer noção de status especial. A corte decidiu que a pesquisa não comercial aumenta os “objetivos comerciais legítimos” de uma universidade e, assim, tanto ferramentas de pesquisa quanto materiais (incluindo DNA) não merecem isenção.
Detentores de patentes raramente têm interesse em chutar portas de laboratórios em busca de infratores. Após a decisão em favor de Madey, o número de notificações de detentores de patentes aumentou um pouco, mas não causou grande impacto. A crescente consciência sobre a ausência de uma isenção poderia levar a um ambiente de pesquisa mais restritivo. Por isso, o comitê da NAS recomenda ao Congresso dos EUA que faça uma isenção estatutária para pesquisa.
Grandes empecilhos de propriedade intelectual podem começar a aparecer à medida que a genômica e a proteômica alcançam a maturidade. “A pressão sobre um pesquisador que obtém direitos de propriedade intelectual cobrindo esses genes pode se tornar insuportável, dependendo de quão ampla for a gama de tipos de pedido e de como os detentores de patentes responderem a potenciais infratores”, escreveu a comissão da NAS. A genômica e a proteômica estão apenas começando a render frutos na forma de diagnósticos médicos e drogas. “Disputas de propriedade acontecem para valer quando as coisas se aproximam do mercado”, diz Barbara A. Caufield, chefe do conselho da Affymetrix, a companhia de chips genéticos que se opôs ao patenteamento do DNA porque poderia impedir a pesquisa com seus produtos.
Caufield diz que já há exemplos de patentes concedidas de maneira ampla, que impõem dificuldades tanto à indústria quanto à academia. A australiana Genetic Technologies tem patentes que utiliza para fazer acordos de licenciamento com empresas e universidades que pesquisam a parte não codificante do genoma. A abrangência de suas patentes cobrindo métodos de obter informações da parte que constitui mais de 95% do genoma e é erroneamente chamada de DNA lixo deveria fazer os cientistas despertar. A Genetic Technologies, no entanto, já entrou em acordos de licenciamento que satisfizeram a gigante americana de biotecnologia Genzyme e a Applera, empresa-mãe da Celera e da Applied Biosystems.
Desordem no Tribunal
Governos, legisladores e tribunais americanos em geral adotam uma postura liberal em relação à comercialização de novas biotecnologias. Embora sempre debatidas por painéis consultivos, as questões éticas, filosóficas e sociais quase nunca entram no processo decisório sobre se a proteção das patentes deve ser estendida às coisas vivas. No caso Chakrabarty, a Suprema Corte justificou parte de sua decisão citando a frase do primeiro comissário de patentes, Thomas Jef-ferson, segundo o qual “a engenhosidade deveria receber um estímulo liberal”.
Uma das questões óbvias levantadas pelo resultado do processo foi “onde acaba o patenteamento da vida?”. Ele deve se estender a criaturas acima da Pseudomonas na árvore filogenética? Em 1988, oito anos após o caso Chakrabarty, a Universidade Harvard conseguiu patentear o OncoMouse, um camundongo geneticamente modificado, portador de um gene que o predispunha a contrair câncer. O novo roedor se mostrou uma ferramenta valiosa para pesquisa da doença. A justificativa da patente pode ser ligada diretamente à decisão dos juízes no caso Chakrabarty: a adição do oncogene significou que esse camundongo tinha sido “inventado” por um humano. Processos posteriores que tentaram mudar essa decisão falharam.
Nem todos os países lidaram com o assunto de patenteamento de organismos superiores com a tendência utilitária dos tribunais americanos. Recentemente, os canadenses chegaram a uma decisão diferente sobre o caso. Após um apelo, a Suprema Corte do Canadá rejeitou a patente do OncoMouse naquele país. Em 2002, o órgão decidiu que a designação “composição de matéria” – em essência, um produto patenteável – não se aplicava ao camundongo. “O fato de que formas de vida animal têm qualidades únicas, que transcendem a matéria particular de que são compostos, torna difícil conceituar formas superiores de vida como meras \\`composições de matéria\\`”, afirmou o juiz Michel Bastarache. A Europa também limitou os direitos sobre o camundongo modificado. O Escritório de Patentes Europeu diminuiu a abrangência da patente do OncoMouse para cobrir apenas camundongos, em vez de todos os roedores.
Os reguladores europeus ainda tornaram insignificante o portfólio de patentes detido pela companhia americana Myriad Genetics. Nos EUA, patentes sobre genes de diagnósticos, mais que outras patentes de DNA, atrapalharam tanto pesquisa como clínica médica. A empresa tentou impedir grandes centros de câncer de desenvolver testes caseiros baratos para os genes de câncer de mama BRCA1 e BRCA2. Na Europa, uma coalizão de institutos de pesquisa desafiou patentes da Myriad, invalidando algumas e limitando outras.
Os testes agora são gratuitos para todos, exceto para mulheres judias asquenazes, que devem pagar a taxa de licenciamento. As mutações que ainda são cobertas pelas patentes da Myriad são mais comuns em asquenazes. Pela lei, o médico deve perguntar se a paciente pertence a essa etnia, o que provocou a ira da comunidade judaica. A repetição dessas cenas é improvável nos EUA. No caso Chakrabarty, a Suprema Corte disse que o tipo de questão ética levantado por Rifkin deve ser tratado pelo Congresso, mas todas as tentativas de fazê-lo falharam até agora. Se acontecer qualquer mudança fundamental, provavelmente será após a Suprema Corte reexaminar pontos decisivos do caso Chakrabarty: a definição da evasiva linha entre as leis da Natureza e a invenção.
Juristas esperam uma decisão da Suprema Corte sobre o quanto se pode empurrar as fronteiras daquilo que antes era considerado impatenteável. O órgão concordou em ouvir um caso, “Laboratory Corp. contra Metabolite Labs.”, que vai determinar se a simples correlação de um nível elevado do aminoácido homocisteína com a deficiência de vitaminas B “pode validar um monopólio sobre uma relação científica tão básica que qualquer médico infringiria a patente só de pensar sobre a relação depois de olhar o resultado de um teste”, alega a Laboratory Corp. A patente diz dar direito apenas à correlação, não ao equipamento eletrônico e mecânico utilizado para realizar o teste. O caso é de intenso interesse não somente para a indústria biotecnológica. “Isso poderia ter impacto não apenas no patenteamento de DNA, mas em áreas emergentes como a nanotecnologia e a biologia sintética”, diz Arti K. Rai, professora de direito da Universidade Duke.
Muitos juristas dirão que a doutrina jeffersoniana de promover a invenção deve prevalecer. Mas o caso também encontra ressonância com o caso Chakrabarty e a lei que havia antes. À medida que a tecnologia avança, tribunais terão de definir melhor o significado da frase “qualquer coisa inventada pelo homem”. Colocar um único gene em um camundongo é suficiente para conferir a um “inventor” um monopólio limitado?
Who owns life? Editado por David Magnus, Arthur Caplan e Glenn McGee. Prometheus Books, 2002.
Intellectual property landscape of the human genome. Kyle Jensen e Fiona Murray, em Science, vol. 310, págs. 239-240, 2005.
Reaping the benefits of genomic and proteomic research: intellectual property rights, innovation, and public health. Comitê de Direitos de Propriedade Intelectual em Genômica e Pesquisa de Proteínas e Inovação. National Academies Press, 2005
Fonte: Scientific American Brasil