“A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior da sociedade”, na medida em que o nome do autor, para além do nome próprio, exerce uma função classificatória no interior do discurso, permitindo que certos textos sejam reagrupados, delimitados ou opostos entre si [relações de filiação, de autenticação recíproca, de exclusão], bem como definindo um modo de ser do discurso que poderíamos dizer não-cotidiano, extra-ordinário, não-anônimo. Foucault aponta quatro características da função-autor: i) os discursos portadores da função-autor são objetos de apropriação pelo que ele denomina “regime de propriedade para os textos” – no final do século XVIII e início do XIX. A função-autor está ligada ao sistema jurídico-institucional que contém, determina, articula o universo dos discursos. ii) a função-autor não é exercida universal e constantemente em todos os discursos, em todas épocas e sociedades. Por exemplo, na Idade Média, os textos literários não dependiam da autoria enquanto que os ditos científicos eram marcados pelo nome do autor; já entre os séculos XVII-XVIII, o discurso científico promove o apagamento da função-autor, enquanto que o literário é por esta provido. iii) a função-autor não remete pura e simplesmente a um indivíduo real; ela pode dar lugar simultaneamente a vários egos, várias posições-sujeito que classes de diferentes sujeitos podem ocupar. iv) a função-autor não é definida pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas por uma série de operações complexas e específicas.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? (1969) In: Ditos e Escritos – Estética: literatura e pintura; música e cinema. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2006. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo : Loyola, 1996.